Um golpe do destino. Golpe, literalmente. E destino, também. Alessandro foi vítima de um golpe do destino quando tinha 13 anos de idade. Uma mentira lamentável e baixa que tirou o artilheiro do Comercial, de Cascavel, da final da Taça Paraná de Futsal para colocá-lo, 20 anos depois, como capitão do Corinthians no Mundial de Clubes, no Japão.
O tímido garoto da roça, de Assis Chateaubriand, interior do Paraná, era o destaque do torneio até que um homem chamado Nilton, do time que seria adversário na decisão, se disse olheiro do Flamengo e revelou interesse do clube num teste de Alessandro. A família, humilde, acreditou. Menino, pai, tio e treinador pegaram o carro e encararam, mesmo sem conhecerem, o longo trajeto até o Rio de Janeiro. O teste não existia. Era um golpe para tirá-lo da final da Taça Paraná. Mas o destino tratou de fazer com que ele nunca mais voltasse a morar no sítio.
Os dirigentes ficaram com pena da situação, e toparam deixar Alessandro por três meses numa concentração, no Morro da Viúva. O pai Lourival, o tio Alfredo e o treinador Calango voltaram no mesmo dia, depois do almoço, diante dos olhos marejados do adolescente. “Sozinho” com mais 50 crianças no Rio. Um choque de realidade para quem, até então, só jogava bola nas horas vagas, e ajudava a família a catar algodão, carpir soja, trigo, milho, arrancava mato com a mão e trabalhava na semeadeira.
O lateral-direito, há cinco anos no Corinthians, capitão na histórica conquista da Libertadores e também no Mundial que começa nos próximos dias, cresceu num sítio, onde cuidava de animais bem menos exóticos do que o gavião, que hoje mora no CT do Timão e atrapalhou a entrevista do samurai por várias vezes, inclusive pousando em sua cadeira e na perna do repórter.
– Lá tinha era muita galinha, porco… (risos). Estudava na cidade, esperava sempre o ônibus naquele mesmo horário, mas em dias de chuva às vezes nem conseguíamos ir, pelas condições do caminho. A catequese eu fiz no patrimônio de Silveirópolis, que era mais pertinho, mas escola não tinha. Morávamos cinco, seis famílias, era muito legal, só que acabou cedo, né.
De repente, esse garoto estava na Cidade Maravilhosa, mas demorou dois anos, pelo menos, para descobrir seus encantos mil. O medo dos perigos o impedia até mesmo de ir à praia ou ao shopping. Alessandro estudava, treinava e voltava para a concentração. Seu passatempo era ser gandula do time profissional do Flamengo, nos jogos na Gávea, e ver de perto ídolos como Sávio, Renato Gaúcho, Djalminha, Marcelinho, Junior Baiano, Gilmar…
Havia outro compromisso aos domingos: falar com o pai. Lourival não tinha telefone em casa, e caminhava até Silveirópolis. O aparelho na concentração do Flamengo só podia receber chamadas. Portanto, as conversas eram raras, mas intensas. Numa delas, depois de três meses, o filho contou que finalmente havia sido aprovado, e precisava de todos os documentos para, em 1994, ser jogador do clube. Ano que prometia ser maravilhoso, mas foi difícil. A crise financeira do Fla fez com que a garotada passasse o ano inteiro sem receber seus 70 reais mensais. Por telefone, Alessandro pedia dinheiro ao pai, receoso de que ele lhe mandasse voltar.
– Eu não queria mais trabalhar na roça. Fiz de tudo lá, e o mais importante foi aprender a valorizar as coisas. Cada treino, cada jogo. A gente ia correr em volta da Lagoa, no Rio, e eu queria sempre ser o primeiro a chegar. Achava que aquilo me daria condição de crescer no clube.
Campeão na base, convocado para seleções de jovens, Alessandro chegou com moral ao time profissional, mas os problemas financeiros de 94 se repetiram. Ele já era um homem, já tinha uma carreira por zelar. E acabou saindo do Flamengo numa ação judicial para ter seus direitos.
– Ter entrado na Justiça contra o Flamengo me incomoda até hoje porque sou muito grato ao clube que me projetou, deu condições, me formou para o futebol. Entristeceu me despedir daquela maneira.
E a vida dentro de campo não melhoraria tão rapidamente. Foram três passagens “para esquecer”: no Palmeiras, passou quase despercebido em parte da campanha do título da Série B, em 2003. No Dínamo de Kiev, não aprendeu o idioma, não conseguiu nem sequer arriscar o inglês, não se enturmou com ninguém, não interagiu, não resistiu ao frio polar, e, após um ano e meio, foi para o Cruzeiro, onde não chegou a ficar seis meses, sem brilho.
Foi no Grêmio, na Batalha dos Aflitos, no convívio com Mano Menezes, que sua vida começou a mudar. O status de jogador de futebol mudou, e o técnico, dois anos depois, o levaria para o Corinthians, para a melhor etapa de sua carreira. Algo que Alessandro parecia adivinhar quando bateu o pé para trocar a Libertadores, no Santos, por mais uma Série B, no Corinthians, em 2008.
– Fiz de tudo para não seguir no Santos e abraçar essa causa. O salário era parecido, mas o que mais mexia comigo era ter vivido dez anos no Flamengo, e enxergar que o Corinthians poderia ser maior em torcida, história, cobrança, glórias, elogios… Era um baita desafio. Naquele momento, talvez o torcedor nem conhecesse o Alessandro, não sabia se poderia acrescentar ou não, mas eu estava disposto a tudo.
Hoje o corintiano conhece a luta de Alessandro. Luta que ele escolheu como palavra-chave de sua vida. Luta de quem ajudou o Timão a voltar à Série A, ganhou títulos, perdeu outros, porém, mais importante, ganhou o respeito das arquibancadas. O lateral-direito viu a chegada de Ronaldo, e os projetos do centro de treinamento e do estádio, dos quais os próprios jogadores duvidaram em alguns instantes, se tornarem realidade em torno dele.
O camisa 2 do Corinthians sabe que, a exemplo do dia em que estreou como profissional, no Mineirão, contra o Cruzeiro, nos dias 12 e 16 de dezembro os pais estarão o assistindo pela televisão no sítio em Assis Chateaubriand. Agora, acompanhados pela “princesa” Ana Clara, de seis anos, única filha do jogador, que mora no Rio. No fim do ano, estarão todos juntos, onde tudo começou graças a um golpe do destino.
– Nossa luta é diária, pela família, pela filha, pelo torcedor. O Corinthians tem muito disso, é uma palavra muito forte, e será fundamental do primeiro ao último minuto. Por um carrinho, uma jogada, uma disputa. Vai estar presente nesses dois jogos.