Chicão. Zagueirão, titular, batedor de faltas e pênaltis, já foi capitão, símbolo de identificação com a torcida guerreira. Tem “ão” no nome. E sua segurança, quem poderia imaginar, está numa criança de sete anos
Ele foi o único dos 23 samurais corintianos que atendeu ao GLOBOESPORTE.COM acompanhado. Enquanto falava, numa cadeira ao lado o filho Gustavo parecia contar os minutos para poder voltar a brincar com o pai, mas dedicava atenção a uma ou outra resposta. Foi no garoto que Chicão encontrou forças para suportar um dos mais difíceis momentos de sua vida, e de sua carreira. A perda da posição no time, no fim do ano passado, quase simultânea ao divórcio com a esposa.
“Não é que não gosto de dar entrevista, mas tenho receio de que uma pessoa maldosa coloque uma palavra errada. Já aconteceu comigo. Sou muito tranquilo, fico na minha demais”
Em má fase naquela ocasião, o jogador viu Paulo André e Leandro Castán comandarem a zaga na reta final do título brasileiro. Aos sábados, enquanto os companheiros se concentravam antes dos jogos, ele só treinava. E o CT do Timão ganhou um visitante frequente.
– Eu trazia o Gustavo e ver a alegria nos olhos dele ao bater a bola e brincar comigo me incentivava. Ele nem sabia o que estava acontecendo, mas o pai sabia, né? Nunca deixei de treinar, e percebi que talvez eu estivesse um pouquinho acomodado, e não sabia. Fiquei muito chateado, mas o Tite deixou claro para todo mundo que quem não trabalhar perde o lugar na equipe mesmo.
Chicão, mesmo recuperado do baque pessoal e com o posto de titular recuperado para o Mundial, tratou de providenciar a presença do filho no dia da entrevista, o que tem sido rotineiro. O zagueiro não mora mais com ele, e com as gêmeas Gabriela e Eduarda, de dois anos. O trio vive com a mãe no interior, região que ele conhece bem, já que nasceu em Mogi Guaçu e começou a jogar futebol em Mogi Mirim.
Cidade pequena nos anos 80 era o paraíso para a criança que adorava jogar futebol na rua. Chicão cresceu assim. E prova do quanto o tempo é surpreendente está em 1994. O jovem de 13 anos trabalhava como office-boy da prefeitura e, pela televisão, via o jovem Ronaldo, aos 17, participar da conquista do tetracampeonato mundial do Brasil. Sem nem sequer imaginar que 15 anos depois seriam companheiros de equipe.
– É uma coisa meio louca mesmo. Tive oportunidade de jogar com Ronaldo e Roberto Carlos, dois caras que acompanhei fora do país, na seleção brasileira. Nem tenho palavras para falar desses dois. O Ronaldo por ter vencido todas as dificuldades, e o Roberto pela pessoa maravilhosa que é.
E olha que essa oportunidade de atuar ao lado dos ídolos esteve ameaçada por mais de uma vez. Na prefeitura, onde ganhava 120 reais, Chicão conheceu um rapaz que lhe ofereceu chance numa peneira no Mogi Mirim. Eram mais de 200 garotos e, no máximo, quinze ficariam no clube. Ele ficou! Saiu de casa aos 15 anos para morar no alojamento e tentar a sorte como volante. Volante?
Sim! Até o técnico Givanildo Oliveira entrar em sua vida, aos 17 anos, e o recuar para a zaga. Contra sua vontade.
– Ele percebeu qualidade para jogar como zagueiro, mas eu não queria aceitar. Não queria, não gostava, mas acabei topando e nunca mais saí. Agradeço porque, de repente, se eu fosse volante, hoje não estaria nesse clube que me deu tudo.
Obrigado
A mudança de posição está longe de ter sido o principal obstáculo para que Chicão se tornasse jogador de futebol. No início de 2004, ele foi disputar o Campeonato Paulista pela Portuguesa Santista, com contrato de três meses. A competição acabou e ele passou o resto do ano desempregado. Aos 23 anos, e com a esposa grávida de Gustavo.
Eis que, tal qual Givanildo havia feito anteriormente, mais um técnico surgiu e se tornou fundamental em sua biografia: Roberval Davino havia trabalhado com ele no Mogi Mirim e, para 2005, treinaria o América, de Rio Preto, outra cidade do interior paulista. Na montagem do elenco, ele se lembrou de Chicão e deu o telefonema que o zagueiro esperou por longos oito meses.
– Foi difícil. Oito meses sem receber, só com dinheiro saindo, você pensa mil coisas. Será que vai dar certo? Procurei treinar sozinho, mas todo mundo sabe que é diferente, não tem cobrança de ninguém. Então você vai num dia, não vai em outros três… Eu quase parei de jogar, sozinho e sem empresário.
A boa passagem nas mãos de Roberval rendeu, finalmente, convites de equipes de outro estado. O Juventude foi o primeiro passo, e marcou um dos encontros mais importantes de sua carreira, com o então parceiro de zaga Antônio Carlos. Seria ele, no cargo de diretor-técnico do Corinthians, quem faria uma proposta para o jogador, já no Figueirense. A apresentação aos torcedores já foi um marco na vida do tímido Chicão. A equipe havia sido rebaixada para a segunda divisão e os reforços chegavam sob protestos nada amenos.
Uma espécie de “pré-temporada” para conhecer bem a torcida alvinegra. Mas, para seu bem, o momento ruim foi passageiro, muito mais veloz do que os atacantes que tem de enfrentar. Vieram finais, título, idolatria… Só motivos de orgulho para um ex-desempregado, um ex-volante, um ex-office-boy.
Mudanças que o levaram a definir sua vida com um adjetivo bem comum nas bocas corintianas: guerreiro. E pronto para a batalha mais importante, no Japão.
– Acho que posso contribuir mostrando, dentro de campo, a vontade, determinação, cobrando e incentivando os companheiros o tempo todo. O torcedor pode ter certeza de que vamos fazer de tudo para trazer esse título.
E o Guerreiro se levantou. Deu a mão para Gustavo. E foi brincar…