de que tanto necessito”
O trecho faz parte da oração a Santa Rita de Cássia. Que também é a Santa Rita do Cassio. É dela que o goleiro do Corinthians se lembra nas horas mais difíceis. Seja qual for o momento: desde a prisão de um tio, ainda na adolescência e logo inocentado, até a vitória parcial do Boca Juniors, na Bombonera, na final da Libertadores.
O jogo estava 1 a 0 quando o goleiro, devoto até o último fio de cabelo, prometeu levar cinco maços de rosas vermelhas à basílica de Nossa Senhora de Aparecida se o Timão empatasse. Romarinho tratou de deixar a igreja ainda mais bonita. Já o título valeu dez maços à capela de Santa Rita em sua cidade, Veranópolis, no interior do Rio Grande do Sul. Cassio ainda não sabe qual será a promessa para o título mundial, mas independentemente do que aconteça no Japão, estará de volta à paróquia em sua terra, para distribuir cestas básicas às crianças carentes.
Cassio e Cássia caminham juntos desde que o goleiro nasceu. A infância sem nenhum tipo de luxo, muito pelo contrário, rendeu a consciência social que ele demonstra hoje. Um dos heróis do título da Libertadores, graças principalmente à inesquecível defesa no chute de Diego Souza, nas quartas de final contra o Vasco, teve de passar por cima da desconfiança geral e das dificuldades da família para se tornar jogador profissional.
Aos 11 anos, o menino divida seu dia entre a escola, a escolinha de futebol e o trabalho na “Lavagem do Kojak”, um lava-rápido de seu tio. Ele mesmo pediu para trabalhar, queria ajudar a mãe, doméstica, que o criou apenas com ajuda de tios e avós. Cassio não conhece seu pai e hoje, aos 25 anos, não tem o menor interesse em conhecer.
– Lembro que com meu primeiro salário eu passei na padaria e comprei pão, presunto, queijo e maionese. Gostava de sanduíche, e levei para todo mundo comer. Essas pequenas coisas me deixavam muito feliz, eu não via a hora de chegar em casa. Era uma conquista. Mas tudo que eu ganhava, dava pra minha mãe. Não era muito, né?
O sonho de ser jogador de futebol já existia dentro do garoto. Tanto que ele passou uma semana em avaliação no Tubarão, de Santa Catarina. Só chorava e ligava para a mãe. Voltou.
Mas o sonho de jogar no Grêmio, time do coração, era ainda maior. E aos 13 anos ele acabou aprovado em testes. Saiu de casa e foi para Porto Alegre. Foram seis meses na casa de uma prima da mãe, época em que a família juntava moedas para que ele pudesse ir aos treinos, e até se mudar para o alojamento do estádio Olímpico. E Cassio, que antes só havia visto o seu Tricolor uma vez, agora morava ao lado das partidas. Bastava sair do quarto e subir escadas para chegar à arquibancada.
A saudade de casa era forte. Religiosamente, nos fins de semana de folga nas categorias de base, Cassio voltava a Veranópolis e contava suas aflições à mãe. Nos treinos, por exemplo, quando os jogadores de linha viam que ele era o goleiro de seu time, tentavam mudar de lado. Uma espécie de bullying contra o grandalhão, com pinta de desajeitado. Os jogadores queriam estar no time de Marcelo Grohe, titular do Grêmio no último Brasileirão.
– Os jogadores falavam pra mim que “esse aí nunca vai ser goleiro”. Eu ficava muito chateado, os caras me achavam muito ruim, mas o Marcelo foi um grande amigo, por quem até hoje tenho um enorme carinho. Moramos juntos, sempre tivemos um relacionamento de irmão. Ele é um batalhador – afirma Cassio, que jura não guardar rancor, mas também não esconde uma pontinha de satisfação ao falar dos que o menosprezavam:
– Ficaram para trás.
Dentro de campo, Cassio aprendeu a não se intimidar. Mas fora dele… A timidez é marca registrada do rapaz. Tanto que quando ele conheceu Gilmara, numa festa do concurso de Garota Verão de Porto Alegre, se encantou, mas só teve coragem de se aproximar depois de uma “ajuda”.
– Tive que tomar uns destilados para criar coragem porque, a seco, sem chance (risos).
Outra mudança radical estava reservada aos 20 anos. Cassio recebeu uma proposta do PSV Eindhoven, da Holanda, e fez uma proposta para Gilmara, de casamento. Ambas foram aceitas e o casal partiu para uma vida europeia. O primeiro divórcio foi amoroso, depois de dois anos. A separação do time holandês demorou um pouco mais. Período difícil, principalmente após a saída do técnico Koeman, que havia tratado de sua contratação. Cassio se adaptou ao idioma, ao clima, à cidade… Mas não jogava. E começou a se questionar se, realmente, era bom goleiro. Dúvidas que morriam com ele, pois era inadmissível confessá-las e preocupar a família com elas.
Ironia do destino, o Vasco, justamente o Vasco de Diego Souza, foi o clube que chegou mais perto de contratá-lo ao longo dos quatro anos longe do país. O PSV não liberou. Quando pintou a oportunidade de defender o Corinthians, o receio em relação ao futuro já era grande. A vontade de voltar, maior ainda.
– Acho que dessa vez eu forcei mais. Estava me acomodando, sem perspectivas. Comecei a pesquisar mais sobre o Corinthians, conhecer melhor o time que possivelmente eu jogaria. O interesse me surpreendeu.
Tão surpreendente quanto o interesse e sua chegada foi a rapidez com que Cassio se tornou titular e ídolo da torcida. O primeiro gol sofrido foi só na derrota para o Fluminense, na estreia do Campeonato Brasileiro. Jogo, aliás, em que o goleiro não estava de cueca branca. Algo que podia ser banal, mas se tornou uma superstição. Ele agora só entra em campo assim. No Mundial, não será diferente.
Solteiro, fã de um bom vinho num bom restaurante, cinema, shows, e também caseiro, próximo aos amigos, à mãe… E sempre sob a proteção de Santa Rita, tatuada em suas costas. Mas Cassio não acha que a palavra que define sua vida seja devoção. Ele prefere superação.
– Tenho devoção, mas trabalho bastante. Não adianta nada a gente ter fé e não fazer por onde as coisas acontecerem. Acho que por tudo que passei, tanta gente desconfiando do meu trabalho, superação é minha palavra.