O futebol tem muitas funções: integração social, lazer, competição, enriquecimento. No caso de Willian Arão, além de todas essas, o futebol foi o maior simbolismo da união, ou reunião com seu pai. O último dos samurais corintianos a ter seu passaporte carimbado para o Japão, um jovem de 20 anos cheio de sonhos, fã de matemática, e cujos olhos brilham a cada vez que fala do “seo” Flávio.
Não que dona Maria Aparecida seja esquecida, muito pelo contrário. A mamãe é figura totalmente presente na vida do garoto. Foi com ela que ele morou durante grande parte da infância, já que desde os oito anos os pais são divorciados. Mas é que futebol tem aquele lado masculino, aquela compreensão que muitas vezes só dois homens são capazes de entender. Por isso, quando soube do gerente Edu Gaspar, na semana passada, que seria inscrito no Mundial de Clubes na vaga de Guilherme, vetado pela Fifa, Arão correu para o telefone.
– Meu pai é a base de tudo para mim, só queria ligar e dar a notícia para ele. Ele falou que graças a Deus, que eu mereço, trabalhei muito para conseguir, que era fruto do meu trabalho, e para não deixar a peteca cair que ainda tem muita coisa boa para acontecer.
O volante chegou a se arrepiar quando se lembrou do pai dizendo que não deixaria ninguém impedir seu sonho do de se tornar um jogador. Frase dita na linda cidade de Barcelona, uma peça pregada pelo destino em Willian, que morava no Capão Redondo, e Flávio, do Campo Limpo, bairros da capital paulista. Após o título da Taça São Paulo de Juniores, em 2010, pelo agora rival São Paulo, o atleta teve duas possibilidades bem diferentes de destino: o Corinthians e o Espanyol, rival local do poderoso Barça.
O glamour europeu o seduziu, mas logo Arão descobriu que não seria uma passagem tão glamourosa assim. Foram oito meses sem disputar partidas oficiais, em razão de problemas na documentação. Pior: nenhum amigo fora de campo. Ao contrário. Willian sentia-se uma espécie de Zizao. Só que ao contrário do chinês corintiano, que recebe toda atenção dos seus companheiros, os catalães não tinham um pingo de boa vontade com o adolescente brasileiro.
– Eu entrava no vestiário e ninguém falava comigo. Dentro de campo não me passavam a bola. Talvez por eu ser brasileiro, não me comunicar. Nós somos diferentes. Aqui, chamamos o Zizao pra gente, nas brincadeiras, nos churrascos. Lá, eles ficavam na deles, eu na minha. Mas tudo foi aprendizado.
Willian só não ficou totalmente solitário porque o pai foi junto. Unha e carne. A cena da conversa que decidiu a volta ao Brasil está na cabeça do jovem: ambos sentados na cozinha, e o jogador apreensivo: “O que vou fazer da minha vida?”, indagava. Nem eles esperavam que o Corinthians ainda estivesse interessado em tê-lo. O contrato foi assinado em outubro de 2011.
Viagens bem mais longas do que o já interminável trajeto de Capão Redondo a Barueri, que o garoto passou a fazer aos 15 anos, aprovado em um teste do clube. Eram 90 minutos bem mais agoniantes do que uma partida de futebol. Na infância, mãe e pai o levavam às escolinhas. Quando a coisa começou a ficar séria, as horas de almoço de Flávio ficaram cada vez mais extensas.
– Ele dizia que ia sair do trabalho para almoçar, mas me levava aos treinos e voltava só as 16 horas (risos).
Com o primeiro salário, Willian e os demais garotos da base comeram pastel, tomaram suco e compraram tênis no centro de Barueri. E aos 16 anos ele passou a acordar diariamente às cinco da manhã, já que a atividade passou a ser realizada de manhã. Uma juventude inteira dedicada ao futebol, algo que não incomoda o pacato samurai.
Quem pensa que o pai só se importava com o futebol está enganado. Segundo Arão, ele só poderia ser jogador se terminasse os estudos. Ele chegou até a entrar na faculdade de Educação Física, mas teve de interromper para viajar a Barcelona. O diploma não está descartado. No fim da carreira, ainda distante, ele quer voltar a estudar, mas um curso diferente: Engenharia Civil.
– Adoro matemática (risos). Engenharia é só cálculo, quero construir alguma coisa. A casa do meu pai, a casa dos meus sonhos…
Quando a lista com os 25 jogadores inscritos por Tite foi divulgada, seu nome estava abaixo, acompanhado de um asterisco. A cada linha que seu olho observava, e não se enxergava, o desânimo aumentava. Tanto que Willian nem chegou até o fim. Só foi saber depois que ainda havia uma ponta de esperança. Foram dois dias de apreensão até a certeza de que, não só embarcaria para o Japão, como faria parte do grupo.
Assim que Guilherme, o cortado, publicou em seu Twitter a mensagem sobre o veto, Arão o procurou. Deu força, e ouviu que o importante era o título do Corinthians. Talvez pelo suspense, pelo drama do carimbo do passaporte, a palavra escolhida pelo jogador para resumir sua vida tenha sido “acreditar”. Curiosamente, a mesma do zagueiro Felipe, outro que ganhou a vaga nos acréscimos.
– Eu estava confiante, trabalhando bem, o jogador tem de acreditar que vai. Mas acho que a ficha só vai cair quando eu me sentar no banco de reservas e olhar para aquilo tudo.
Mundial, casa dos sonhos… Willian Arão é um sonhador nato e assumido. E o Japão é apenas o primeiro de uma série de desejos em sua lista.
– Quero que as pessoas que eu amo estejam felizes comigo no fim de suas vidas. Ouvir dos meus pais que têm orgulho de mim, dos meus irmãos que sou o melhor irmão do mundo, da minha namorada, provavelmente minha futura esposa, que sou um marido perfeito. Quero jogar uma Copa do Mundo, a Liga dos Campeões, quero ganhar títulos pelo Corinthians… O ser humano não pode nunca deixar de sonhar. Quem deixa de sonhar para de viver.