“Se você pudesse escolher uma palavra para definir sua vida, qual seria?”
Essa pergunta foi feita aos 23 jogadores do Corinthians que vão ao Mundial, e têm suas histórias contadas no GLOBOESPORTE.COM desde o último dia 19 de novembro. Entre as respostas, reinaram termos como superação, dedicação, persistência, guerreiro… Retrato de um time que passou por cima de inúmeros obstáculos para chegar ao Japão. Mas uma resposta chamou atenção. A do peruano Paolo Guerrero:
– Louco! Eu sou um louco (risos). Gosto de ser extrovertido, de dar risada com as pessoas.
Guerrero concedeu entrevista antes de se lesionar contra o São Paulo e ver suas chances de entrar em campo no Mundial bastante reduzidas. E explicou, ou ao menos tentou explicar sua loucura: o atacante tem medo de avião, um corte de cabelo estranho, arrisca um português em tom brando que nem combinam com suas tatuagens, ostenta respeitável histórico de confusões dentro de campo, cultiva paixão por carros e cavalos, recebia chocolates de um dos maiores goleadores de todos os tempos, e tem um filho, de oito anos: um menino alemão chamado Diego Henrique, filho da ex-namorada brasileira, e que mora no Rio de Janeiro.
Resumo de quem já não nasceu num dia dos mais normais: em 1º de janeiro de 1984, após o festival de fogos de artifício do reveillon, um apagão tomou conta de Lima, capital peruana. Sua mãe deu à luz no escuro.
As primeiras loucuras de Guerrero com a bola nos pés ocorreram na Avenida Brasil. Não aquela da novela, próxima ao Divino, e frequentada pela família Tufão. É a Avenida Brasil de Lima. Foi ali, próximo à casa onde morou, que ele se apresentou ao futebol com cinco ou seis anos. E sempre contra garotos maiores. Segundo dele, assim o jogo ficava “mais bonito”.
Guerrero cresceu com pais separados. Segundo ele, com tarefas bem divididas: José dava o incentivo, Petronila a disciplina. Ambos foram importantes para que, aos sete anos, ele fosse aprovado numa peneira do Alianza Lima. Isso porque ele havia ido só para acompanhar o primo, que foi reprovado.
– Meu pai me dava calma, falava da profissão que eu iria querer seguir, e minha mãe era muito rígida. Apanhei muitas vezes por jogar bola em vez de fazer as tarefas da escola.
Apesar de divorciados, os pais do jovem talento mantiveram bom relacionamento e decidiram que ele não assinaria nenhum contrato até completar 18 anos e poder decidir seu futuro. Por isso, durante boa parte de sua passagem pelo clube do coração, ele ganhava apenas ajuda de custo para o transporte de casa para o treino, e vice-versa.
Enfim, perto dos 18, o rapaz fez três gols pela equipe de jovens do Alianza Lima sob olhares atentos de olheiros do Bayern de Munique. A proposta era questão de tempo, assim como o “sim”. E lá se foi o menino peruano, da Avenida Brasil para a Europa. Ainda nas categorias de base de um dos maiores clubes do mundo, um encontro surpreendente e importante para sua trajetória: Gerd Müller, campeão mundial de 1974 e segundo maior artilheiro da história das Copas do Mundo, atrás de Ronaldo, e empatado com o também alemão Klose, com 14 gols.
– Ele me ensinou a concluir a gol. Eu fazia treinos de finalização só com ele, e a cada gol ele me dava um chocolate. Era importante quando estava muito frio porque ajudava a aquecer.
O coração de Paolo também precisava ser aquecido na Alemanha. Nos três primeiros meses, ele chorou muito ao chegar ao apartamento solitário. Logo se adaptou e a companhia de uma brasileira o acalentou. Da relação nasceu Diego Henrique, de quem o atacante não fala muito, mas que está tatuado em sua região abdominal. Guerrero diz que o vê pessoalmente sempre que pode, mas mata a saudade com frequência graças à internet.
Outra paixão, essa até mais duradoura, foi pelos carros. No país de marcas como Mercedes e BMW, o peruano pegou gosto de vez pela velocidade. Até hoje, compra revistas especializadas e sonha com o próximo modelo. Ele não diz quantos veículos tem, e admite que gosta de correr, mas…
– Só quando a gente pode, senão a polícia vai me prender (risos) – diz o jogador, que já se envolveu num acidente sem maiores consequências.
Não foi o único episódio polêmico em sua carreira. Em Hamburgo, onde atuou pelo time local, brigou com torcedores e foi suspenso por oito rodadas por agressão contra um goleiro adversário. Na época, o psicólogo do clube disse que ele necessitava de ajuda, pois não tinha controle de seus sentimentos. Pela seleção, também atirou uma garrafa de plástico em direção a um torcedor que o criticava.
Mas Guerrero também fez gols. Muitos. Artilheiro da Copa América de 2011, despertou interesse do Corinthians e, antes de aceitar voltar à América do Sul, mais perto do filho e dos pais, consultou brasileiros que atuaram na Alemanha, casos do zagueiro Alex Silva e do meia Thiago Neves.
– Todos falaram que a melhor torcida era a do Corinthians, que o Corinthians era f… . Pesquisei e vi que era o maior time da América do Sul. O fato de o futebol aqui ser muito competitivo também contribuiu para que eu viesse.
Paolo Guerrero terá de superar um grande obstáculo para chegar ao Japão: a longa viagem de avião, um trauma que o acompanha desde seus três anos de idade, quando o tio José “Caíco” González Ganoza foi vítima de um acidente aéreo. Ele era goleiro, um dos 33 jogadores do Alianza Lima que faleceram na enorme tragédia.
O Alianza ainda é presente em sua vida. Guerrero, invariavelmente, ajuda o clube com dinheiro e jura que vai encerrar sua carreira por lá. Antes, porém, quer ser campeão do mundo.
– Isso representa muito, estou mentalizando esses jogos para dar essa alegria à torcida do Corinthians. Aqui estou rindo, fazendo piadas, mas no campo eu mudo. Fico sério porque quero ganhar, não gosto de perder. Aprendi com experiências na vida, a gente muda algumas coisas.
Quer dizer, então, que o “louco” não faz mais loucuras? Faz, sim…
– Até agora não morri, então vou seguir fazendo loucuras. Às vezes você faz uma loucura sem nem se dar conta. Não parece, mas eu sou louco. Acho que todo mundo é louco (risos).