Filho, sobrinho e neto de jogadores do River Plate, quebrou a tradição familiar e começou no Vélez Sarsfield. Passou por três empréstimos – Argentinos Juniors, Cúcuta e Al-Shabbab – até chegar ao Corinthians, em 2012
O atacante Juan Manuel Martínez fez bons jogos pelo Corinthians, mas talvez seu momento de maior destaque tenha sido a polêmica declaração: disse que, em 2013, se não jogar com mais frequência, prefere ir embora, pois ambiciona disputar a Copa do Mundo de 2014 pela seleção argentina.
Prepotência? Individualismo? Ou personalidade? De qualquer forma, nada surpreendente em seu histórico. Aos 11 anos de idade, não quis ficar no River Plate, time do coração, porque não gostou de esperar duas horas para atuar por apenas cinco minutos numa peneira. Isso mesmo, aos 11 anos! Logo depois, recusou o gigantesco Boca Juniors justamente por ser torcedor do arquirrival. E, mais recentemente, já adulto, informou aos dirigentes do Vélez Sarsfield que havia chegado a hora de ir embora e alçar voos maiores.
Isso porque Burrito, como é conhecido em razão da forma de atuar, parecida com a do conhecido meia Ariel Ortega, jura tomar cada uma de suas decisões com tranquilidade. Em bom portunhol, foi essa a palavra escolhida pelo jogador para resumir sua trajetória de 27 anos.
– Nas situações mais difíceis, de jogo ou da vida, você precisa ter tranquilidade para fazer o melhor. Sem isso, sua decisão será errada. Já tomei muitas decisões difíceis, nem me lembro qual foi a pior, mas nunca perdi a tranquilidade para poder pensar e tomar a opção correta.
Sem alterar o tom de voz por um só instante, com jeitão boa praça e um tanto quanto misterioso, Martínez revelou que tem o futebol no sangue. No DNA. Seu pai, Carlos “Pachi” Martínez, destacou-se no Almirante Brown, modesto clube da Argentina, mas atuou pelo River Plate, quase uma “obrigação” familiar. Dois tios e um avô também vestiram a tradicionalíssima camisa branca com a faixa diagonal vermelha. Era normal que, desde bebê, ele estivesse sempre rodeado de bolas, na pequena província de Rio Negro, onde nasceu e morou até os dois anos.
O trabalho do pai, já um ex-jogador, obrigou a família a se mudar para Buenos Aires, e depois Mendoza, a charmosa cidade localizada ao pé da Cordilheira dos Andes. Passear pelos lagos gelados da montanha nos fins de semana era o passatempo preferido do garoto, além das peladas na rua, evidentemente.
O retorno à capital federal também foi breve. E sem a neve, sobrou a bola, nos campos de cinco contra cinco que ocupam generosos espaços nos bairros de Buenos Aires. Com o sobrenome River Plate praticamente integrado à identidade, era lógico que a primeira tentativa de atuar por um clube fosse no Monumental. Frustrada.
– Era muito longe treinar lá, e não gostei da maneira como fui tratado.
O Boca era mais perto, porém, era o Boca. A rivalidade absurda impediu que Burrito se vestisse de azul e amarelo, e ele foi parar no Vélez Sarsfield. A escolha tinha motivo: o clube dependia e apostava nos jogadores das categorias de base. O tratamento foi bom. O suficiente para que, aos 12 anos, ele já tivesse contrato amador assinado: primeiro passo de uma relação de paixão, que dura até hoje. Tanto que em seu último aniversário, já no Corinthians, foi homenageado pelo site oficial do clube argentino com um vídeo de seus melhores momentos.
Mas, nas categorias de base, Martínez demorou a emplacar.
– Sempre ficava fora. Treinava, treinava, chegava no sábado e não ia para o jogo. Não entendia, e os treinadores falavam que não era meu momento, que era uma aposta futura. Até que meu corpo desabrochou, e comecei a jogar. Fiz um gol, fui bem e nunca mais saí – lembra.
Aos 17 anos, o atacante já estava no time profissional, mas a comissão técnica ainda o sentia inexperiente. Aos 20, uma sucessão de empréstimos: passagem breve pelo Argentinos Juniors, idolatria repentina após boa Libertadores no Cúcuta, na Colômbia, e a experiência de não poder ser visto pela esposa no estádio no Al-Shabbab, da Arábia Saudita. As mulheres não podiam assistir aos jogos. Até retornar ao Vélez.
Martínez amadureceu. Tanto que abriu mão de um ritual de infância: falar com o pai depois de todos os jogos, e aceitar suas críticas. Afinal, “ele sempre tinha razão”. E, após a Libertadores deste ano, decidiu que era hora de partir, definitivamente. Santos e Corinthians disputaram sua contratação. Um dos conselheiros foi o zagueiro Sebá, campeão brasileiro pelo Timão em 2005. A internet também serviu para que ele coletasse informações dos rivais alvinegros. Sem cerimônia, ele revela os motivos da escolha:
– Acho que o Corinthians é maior, muito forte, tem muitos torcedores, e está no melhor momento de sua história. Gostei disso, era um desafio maior e eu gosto de ganhar todos os títulos.
O acerto foi feito diretamente com seu pai. Por sinal, na família Martínez, os negócios não são à parte. Seu irmão mais novo, Nicolás, 25 anos, joga no Múrcia, da segunda divisão espanhola, e tem os direitos econômicos divididos: 50% pertencem ao pai, e os outros 50% ao atleta do Corinthians. Empresário do irmão mais novo! Quase dono. Dá para acreditar no que ele diz sobre Nicolás?
– Ele joga melhor do que eu, mas não tem boa sorte. Ele precisa disso. Muitos times da primeira divisão estão o procurando para o ano que vem. Tenho o sonho de jogarmos juntos um dia. Já falei para ele: vou fazer de tudo para você jogar aqui no Brasil, e você faça de tudo para eu jogar na Europa. Está difícil (risos).
Em processo de adaptação a São Paulo, o argentino sofre com o trânsito diário de Alphaville, onde mora, até o CT, quase em Guarulhos, mas tem conhecido e gostado cada vez mais da música brasileira, embora não abandone o Linkin Park, banda de rock norte-americana, sua favorita. E, pelo menos uma vez por semana, ele e a mulher, Celeste, vão ao cinema, seu principal hobby, além de brincar com a filha.
Obcecado por conquistas, Martínez vai partir rumo ao Mundial com uma esperança, a de dar a volta olímpica, e uma frustração: não ter feito parte do grupo que venceu a Libertadores, um desejo de adolescência que ele pretende alcançar no ano que vem.
– É uma chance muito importante, só um time do continente tem essa oportunidade por ano, e vamos deixar tudo no campo para conquistar. É a única maneira de retribuir o carinho que a torcida nos dá.
Burrito também levará um segredo ao Japão. Um ritual que repete, religiosamente, antes de cada partida, dentro do vestiário. Mas que não revela nem sob tortura.
– É um segredo, mas quase sempre termino o jogo bem, sem estar machucado, e com o resultado positivo.
Seja lá o que for, o bando de loucos agradece.