Quando o GLOBOESPORTE.COM disse à assessoria de imprensa do Corinthians que gostaria de entrevistar os 23 jogadores que fossem ao Mundial de Clubes, algumas ressalvas foram feitas. Entre elas, uma em relação a Ralf:
– Cara, vai ser difícil tirar alguma coisa dele. Ele é muito tímido, não gosta de falar.
E não é nada contra jornalistas. O volante é tão tímido que, no rodízio de capitães que Tite promoveu durante a temporada, rejeitou a faixa quando chegou a sua vez. Para ele, o posto de capitão não mudaria absolutamente nada em seu jeito de atuar e na sua postura dentro de campo.
Ironia. Nas entrevistas com os demais jogadores, uma coisa ficou clara: Ralf é um dos maiores conselheiros do grupo corintiano. Foi citado por atletas como Romarinho, Paulinho e Edenilson, entre outros, que costumam frequentar sua casa no tempo livre. Mas como um cara tão calado pode dar conselhos aos companheiros?
– Acho que isso acontece por conta de tudo que passei, das dificuldades que tive. Passo isso para eles, e tento ajudar de alguma forma, não desejo isso para ninguém.
Sim, Ralf deu entrevista. Em duas partes. Na primeira, com olhar fixo para o lado, com a cabeça apoiada em uma das mãos. Na segunda, bem mais solto, até sorridente. E sim, Ralf contou que não foi nada fácil se tornar um dos atletas mais importantes do Timão que vai lutar pelo bicampeonato mundial no Japão, em dezembro. Ele não teve, por exemplo, oportunidade de atuar nas categorias de base. Entrou praticamente direto num time profissional. Rodou por cidades e estados, e teve de conviver com condições precárias no Maranhão, onde também começou a viver uma história de amor, que depois virou amor à distância.
Filho de uma doméstica e um metalúrgico, hoje aposentados, Ralf nasceu em São Paulo. Estudou, até o segundo colegial, no bairro de Interlagos, e jogou bola na várzea, e em escolinhas em Diadema e São Bernardo do Campo, municípios da região do ABC paulista. Uma distância considerável, que muitas vezes era percorrida graças à ajuda do pai.
– Ele ia trabalhar a pé para que eu pudesse ir de ônibus para os treinos e jogos. Hoje, me dói no coração lembrar disso.
Um dos grandes responsáveis por mudar sua vida foi Pedrinho Rocha, filho de Pedro Rocha, uruguaio ídolo do São Paulo nos anos 70. O rapaz era técnico e buscava talentos, quando viu uma atuação de Ralf e o convidou para fazer um teste no Taboão da Serra, clube de um município quase integrado à capital paulista, tal qual um bairro. Depois de uma avaliação pela manhã, Pedrinho ordenou que Ralf voltasse à tarde, mas ele não tinha tempo e dinheiro para fazer o trajeto duas vezes. Comeu um lanche, treinou novamente e foi aprovado. Já aos 19 anos, passou a treinar três vezes por semana no CATS (Clube Atlético Taboão da Serra) e logo foi para o São Paulo, onde ficou só quatro meses, até que a idade de base estourasse. O pouco tempo para demonstrar futebol resultou na dispensa.
Pedrinho Rocha não desistiu de Ralf e o levou ao Imperatriz, do Maranhão. Sem dúvida, o capítulo mais dramático e mais romântico da carreira do jogador. Os pais, em São Paulo, não tinham como sustentar o filho, que recebia (nem sempre, já que o salário não era regrado) R$ 800. Ralf fica cheio de dedos para não desagradar a população de Imperatriz. Faz questão de dizer que não passou fome, mas…
– Cada um fazia duas refeições: almoço e janta. Não tinha café. A gente se virava com um, dois reais, comprava ovo e bolacha para comermos alguma coisa antes de dormir. A maioria dos clubes era de São Luís, então tínhamos de pegar 12 horas de estrada, de ônibus, para jogar. Às vezes tinha uma parada e comprávamos um iogurte, um pão de queijo.
Nesse período, Ralf morou num condomínio, onde estudantes da faculdade sempre se reuniam. Aos vizinhos, ele pedia pó de café, açúcar, água gelada. E nas idas e vindas, nos cruzamentos com churrascos universitários, ele conheceu Gleici, estudante de enfermagem. A moça tinha amigas no mesmo condomínio. A paixão foi rápida. Os pais da namorada, ainda por cima, “adotaram” Ralf. Mandavam frutas, cuidavam do rapaz, que passou a se sentir em casa. Mesmo assim, não resistiu aos meses sem receber e entrou na Justiça contra o Imperatriz. Recebeu R$ 100 para voltar a São Paulo. Gleici, hoje, é noiva à distância, está no último ano da faculdade e vai morar em São Paulo em 2013. Para matar a saudade.
– Sinto muita falta. É difícil, mas expliquei a ela que o sacrifício vai valer a pena, vai render frutos para nós.
E lá estava Pedrinho Rocha, novamente, em sua vida, para levá-lo ao XV de Jaú. Daí para frente, cada um seguiu seu rumo, e Ralf passou por Gama, Noroeste e Grêmio Barueri até chegar ao Corinthians. O contrato foi assinado durante o Campeonato Brasileiro de 2009, mas Ralf não contou nem para os pais. Só acreditou mesmo quando se apresentou, no início de 2010. E hoje, aos 28 anos, ele ainda corre atrás do tempo que julga ter perdido.
– Faz muita falta para mim não ter tido base. Tanto que hoje, depois dos treinos, eu aproveito para praticar cabeceio, chutes de esquerda, fundamentos que não tinha. O Tite e o preparador físico, às vezes, me pedem para não fazer, me poupar, mas é opção minha. Não preciso provar nada a ninguém, apenas para mim mesmo.
Humildade para reconhecer que precisa aprender, mesmo depois de já convocado para a seleção brasileira. Humildade na infância, na adolescência e na carreira. Humildade no Japão! Foi essa a palavra escolhida por Ralf para traduzir sua vida. É baseado nela e na fé que o devoto de Nossa Senhora Aparecida quer cravar ainda com mais força seu nome na história do Timão.
– Vai ser muito importante, eu nunca sonhei trabalhar num time do porte do Corinthians, hoje estou a pouco tempo de um Mundial, uma competição totalmente diferente, procuro levar tudo que passei lá atrás e quero colocar tudo que vivi nesse Mundial.