POR PAULO ANDRÉ, zagueiro do Corinthians
Com o passar dos anos e acostumado a estar dentro das quatro linhas, a gente perde a noção de tudo o que ocorre no entorno de um estádio de futebol. Mas no jogo Corinthians x Vasco tive uma aula e, logo que avistei o estádio, imerso num mar preto e branco, resolvi descer do taxi e seguir adiante, a pé, por entre os fieis que entoavam gritos de guerra e aqueciam as gargantas para o épico duelo que estava por vir.
Olhava ao redor, admirado com aquela confusão para chegar, para estacionar (pagando até 50 reais para um flanelinha cuidar do seu carro) e me movimentar entre milhares de pessoas. Parecia haver pelo menos 60 mil loucos nos arredores do Pacaembu, hipnotizados pelo clima e pela energia que emanava da praça Charles Miller, onde a concentração de torcedores era ainda maior.
Mais próximo dos portões, as filas para entrar no estádio eram estratosféricas e as pessoas iam e vinham sem se importar com o tumulto. Para eles aquilo pouco importava, todos eram suficientemente experientes, na arte do corinthianismo, para saber que se a recompensa viesse ao final da partida, todo o sofrimento pareceria insignificante.
No meu caminho até o vestiário pude observar que, aliado aos cânticos de vitória, pessoas seguiam seus rituais de fé. O taxista que me largara ali estava com o agasalho da Gaviões e disse que com aquela roupa jamais perdera uma partida. Num grupo próximo ao portão 23 alguém pediu para ligar para a esposa para dar sorte e o outro disse, abraçando a mulher, que havia ganho todos os jogos que assistiram juntos. Suas superstições pessoais tinham como intuito, pelo menos na minha cabeça, espantar todos os espíritos maus que tentariam boicotar os planos de São Jorge para aquela noite…
Eu, um cético por natureza, descartaria veementemente todas essas repetições e crendices mas, inconscientemente, havia acabado de enfrentar a minha própria superstição ao sair de casa. Na última partida em que fui ao Pacaembu, perdemos para a Ponte Preta por 3 a 2. Achei que tinha dado azar e fiquei tão nervoso que prometi a mim mesmo que só voltaria lá no dia em que eu estivesse recuperado para jogar.
Não aguentei…
Fui ao vestiário, cumprimentei os companheiros e fiz a oração. Nos olhos, eles carregavam a confiança e a serenidade para a batalha campal que seria travada lá no gramado. Era impressionante a concentração daqueles caras. Assim que partiram em direção ao túnel, eu fui para as arquibancadas.
Lá do alto, o gramado parece maior. Os espaços são enormes e a velocidade do jogo é outra. É possível ver e antever cada lance e mais do que isso, é possível ver um outro palco, de concreto, onde se misturam povos, raças e culturas. Pessoas de diferentes credos e classes sociais se amontoam como irmãos, levantam a mesma bandeira, se abraçam e sofrem juntos. E ali, no meio da multidão, ocorre um espetáculo paralelo ao jogo em si, onde o teatro da vida não finge, não faz de conta, ele simplesmente transborda a verdade, os sentimentos e os instintos mais puros do ser humano. E é entre a alegria e a tristeza, o sorriso e o choro, o medo e a tensão, o amor e o ódio, que está enraizada a grande magia do futebol!
O cômico de tudo isso é que lá de cima, agimos como se estivéssemos controlando marionetes, empurrando os para frente e para trás. Eu estava assim. Com as mãos e com os gritos pedimos mais força, mais velocidade, mais amor. Alertamos sobre os perigos e as tentativas do adversário. Somos todos treinadores com soluções mágicas e instantâneas para resolver os problemas daqueles onze guerreiros que representam nossa maior paixão. E fazemos tudo isso de coração, com a intenção de ajudar, mesmo que, às vezes, extrapolemos.
E como grandes atores da vida real, eu e mais de 35 mil apaixonados sofremos quando Diego Souza escapou sozinho em direção ao gol. Segundos se tornaram horas, lembranças ruins invadiram nossas mentes enquanto o atacante vascaíno invadia nossa grande área. O silêncio pairou no ar. Os pulmões travaram, ninguém ousou se mexer. Ficamos estáticos, aguardando o desfecho daquela tragédia anunciada. Eis então que surgiu um gigante, de nome Cássio, para salvar a nação, a pátria, o nosso sonho e o nosso gol.
Quando a bola rolou, carinhosamente para fora, o estádio todo explodiu, vizinhos se abraçaram, comemoraram e voltaram a sorrir. Estávamos na luta, estávamos no jogo novamente. E no lance seguinte, em meio a nossa festa, nem nos preocuparmos com a bola que tocou o travessão, foi tudo muito rápido. Só me lembro do alívio que senti. A partir daí, a torcida não parou de cantar, como se tivesse certeza de que aquele fato só viria a confirmar que o final daquela peça seria um final feliz.
O gol do Paulinho, aos 43 minutos do segundo tempo, foi o clímax da obra. Não sei quantas pessoas eu abracei, não me lembro. Quando dei por mim, estava de pé, em cima das cadeiras, pulando e cantando o hino do clube. Cada irmão comemorava de um jeito: uns choravam, outros gritavam e tinha aqueles que agradeciam aos céus.
Paulinho foi abençoado e retribuiu abençoando a noite de milhões de pessoas.
E então, depois de todo aquele sofrimento, já quase sem voz de tanto gritar, percebo que na verdade estamos falando de uma marionete ao contrário, onde quem movimenta as mãos indicando o caminho somos nós, os torcedores, mas no fim de cada lance, somos nós também, os loucos, que reagimos aos movimentos dos bonequinhos lá embaixo. Essa é a vida do torcedor.
Por isso, parabéns a todos vocês.
Espero estar no campo na próxima vez, torcedor sofre demais!
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